LivreCooperacao
Livre cooperação
Trechos de Livre cooperação
A utopia política, o pensamento utópico de hoje, tem que se diferir da maioria das coisas que hoje reputamos como utopias políticas. Eu acho que a primeira coisa importante é que ela têm de ser não-prescritiva. A maioria dos pensamentos utópicos é prescritiva, no sentido de que dita ao povo o que fazer. A idéia que está por detrás disso é que, se foram estabelecidas as regras apropriadas, então a sociedade fluirá em ordem. [...] Isso, acho eu, é algo inaceitável hoje, e jamais poderá ser uma utopia livre. [...] Julgo também necessário que o pensamento utópico não seja elitista, no sentido de que exista uma elite com o direito à autoconfiança, ao conhecimento certo. Um grupo decisório de pensadores científicos que possa definir aos demais qual é o caso real, mas sim devemos construir a utopia numa comunidade igualitária, onde não importa o que as pessoas leram e com que teorias estejam familiarizadas. Sim, tem que funcionar com pessoas diferentes, e estas têm de ter a possibilidade de participar em bases de igualdade. Elas não devem ser excluídas. O acesso a esta utopia não deve ficar restrita ao questionamento de onde a pessoa, de onde o povo provém. Também acho que hoje as utopias políticas não podem mais ser hierárquicas. Com isto eu não me refiro à questão da hierarquia e organização, mas a uma hierarquia de coisas maiores e coisas menores, no terreno do social. Umas vistas como importantes e outras vistas como não tão importantes - o que é típico de utopias clássicas. [...] Há três aspectos que devem ser levados em conta, se a idéia é construir livre cooperação. O primeiro é que todas as regras dessa cooperação possam ser questionadas por todos, não havendo regras santificadas que a pessoa não possa questionar ou rejeitar ou barganhar e negociar - que não é o caso na maioria das formas de cooperação e de organização que conhecemos hoje. E o segundo aspecto que tem de ser assegurado, para a cooperação livre, é que as pessoas possam questionar e alterar as regras por meio dessa força primária material, que é a recusa de cooperar. De restringir sua cooperação. De impedir o que queiram fazer com essa cooperação, estabelecendo condições sob as quais essas pessoas queiram cooperar, ou queiram sair da cooperação. Elas têm de ter assegurado o direito de empregar essas medidas para influenciar as regras e que todos, na cooperação, possam fazer isso. O terceiro aspecto - importante, porque doutra forma se constituiria apenas em chantagem dos mais poderosos sobre os menos poderosos - é que o preço da não cooperação, o que custa, caso se restrinja a cooperação, ou se a cooperação se divida, devia ser ... não exatamente igual ...mas semelhante para todos os participantes da cooperação. E deveria ser acessível. Isso quer dizer que pode ser feito, não é impossível, não é uma questão de mera existência, cooperar dessa maneira. Por conseguinte, se essas três condições forem garantidas, a cooperação é livre ou pode ser livre, porque todos podem questionar e alterar as regras. [...] É isso que a política de esquerda faz: ela ajusta as regras de modo que as pessoas tenham o mesmo poder para influenciar as regras, porque o preço que lhes custa, se houver ruptura ou restrição do engajamento, é o mesmo para todos. [...] Essas coisas atuam independentemente de como aquelas estruturas são organizadas. Elas vieram juntas, como um grupo, e disseram: Participaremos, desde que, ou desde que não... ou não. E isso é também típico, porque não era necessário que todos conhecessem seus motivos e suas razões e não era necessário que explicassem tudo a todos. É apenas uma negociação que acontece e sobre a qual se pode tomar uma decisão. E eu acho que isto é muito importante na livre cooperação e sua força primária, porque aproxima-se do ponto onde essa força se perde, na maioria dos sistemas de apresentação formal, do processo decisório formal - do quanto é deixado fora porque não se encaixa no sistema. Mas, no exemplo dado, essa força foi realmente exercida. [...] Eu emprego o termo de política de relacionamentos, porque isso é usado na discussão feminista italiana. Pode-se também dizer que é preciso encontrar formas alternativas de socializar, que é preciso desenvolver novas habilidades sociais, que não possuímos ou que perdemos, em nossos sistemas sociais. Porque não fomos treinados em como negociar com cada um. É preciso também desenvolver formas de se tornar independente e formas de articulação, articulação crítica, de clamar por espaço público. Portanto, se isso for feito, teremos em mãos uma espécie de matriz, e então veremos que o conceito de política de livre cooperação não é algo que alguém invente como planta baixa. É algo que se origina de movimentos sociais que datam dos séculos 20 e 21. É muito importante que o conceito de cooperação livre não venha a ditar maneiras especiais de estruturar as sociedades, ou quaisquer outros níveis do social. É apenas um caminho de como as decisões são tomadas e pode, e irá, sempre incluir a criação de regras que permitam a grupos e pessoas tomarem decisões que não são tomadas por todos os membros desse grupo. Isso também permite que os grupos digam: queremos aqui uma regra especial, necessária para nós no momento, e que pode não ser a idéia final no longo curso, mas que possamos escolher, desde que haja uma garantia de que possa ser revertida. Acho isto importante porque permite a grupos, movimentos e grandes comunidades de estudarem, experimentarem e ajustarem suas formas de acordo com os problemas que enfrentem.
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