NeutralidadeDaRedeSociedadeDoControle
Neutralidade da Rede: crise da mídia e sociedade de controle
Trechos selecionados de Neutralidade da Rede: crise da mídia e sociedade de controle.
"Foucault, ao descrever a sociedade disciplinar, no entanto, apontou claramente seu modelo como agonizante, sendo substituído por uma nova ordem, com outros modelos de subjetivação e outras técnicas de poder. Bauman (2001) usa o termo modernidade liquida como sendo um estado de amadurecimento do capitalismo, onde o capital "aprendeu" que é mais vantajoso manter as identidades em permanente estágio de indefinição e fluidez, onde não é mais necessário um sistema central de controle, nem uma figura autoritária que vigia os fluxos de comando. Esta nova ordem, ao contrário do que possa parecer, não é uma superação da sociedade disciplinar, mas sua exaltação." "Deleuze (1992), em sua leitura da obra de Foucault, percebeu que o capitalismo nascente da sociedade disciplinar, promovia, como operação fundamental, uma abstração, ou seja, um corte lingüísticos de criação de sentido e comunicação. Na sociedade disciplinar esse corte de sentido, era realizado por operações lógicas que separavam o centro da periferia, o masculino do feminino, a civilização da barbárie, a lucidez da loucura -- em todos os casos um sistema de identidades. Este corte ontológico capaz de abstrair o mundo e transformá-lo em um sistema integrado era compatível com a lógica de confinamento da sociedade disciplinar. O amadurecimento do capitalismo, como explica Bauman, não mudou sua lógica de abstração, pelo contrário, apontou para formas de abstração ainda mais eficazes. Se na modernidade o corte ontológico era dado por pares de opostos, com a exaltação da lógica da modernidade, outros cortes foram feitos, novas categorias foram criadas, novas abstrações, novos paradigmas, tantos que não importavam mais, desde que estes fossem intercambiáveis, codificados, sem sentido, mas permutáveis, acêntricos, mas virtuais ¿ Deleuze chamou este novo ordenamento de sociedade de controle (IDEM)." "Na sociedade de controle o panóptico foi substituído por módulos interconectados, sem um mecanismo central, onde um sistema que desafia as noções de interioridade e exterioridade dissolve bordas e evita um confrontamento direto com o poder. O controle é exercido permanentemente, sem confinamento, a céu aberto, através de mecanismos de avaliação permanente, em um tempo contínuo, pois as próprias formas de socialização estão condicionadas ao uso de sistemas de comunicação que são, em última análise, como ensinam Negri e Hardt (2001), operações lógicas do capital que não está mais submetido aos estados nacionais." "O termo convergência digital tem sido amplamente utilizado para descrever o processo de integração, ou migração, de diversas tecnologias já existentes para um padrão digital compatível com os protocolos e padrões da Internet. Negroponte (1995), define em poucas palavras o termo como sendo a conversão de átomos em bits, e aponta uma contradição na vinculação da informação ao seu suporte material, uma vez que a informação, em seu ponto de vista, é muito mais importante que a mídia que lhe oferece suporte." "A operação da máquina na sociedade de controle também corresponde a um movimento de virtualização, mas com outras propriedades, mais radicais, acompanhando o amadurecimento do capitalismo. Enquanto a virtualização na sociedade disciplinar preserva a estrutura semântica dos mecanismos em uma hierarquia, a virtualização na sociedade de controle prescinde deste ordenamento (CILLIERS, 1998). Deleuze (1997a) oferece um termo para este movimento: a desterritorialização. A máquina na sociedade de controle desterritorializou as próprias máquinas que promoveram a virtualização na sociedade de disciplinar. Se podemos, com a invenção do cálculo criar relações sistemáticas ontológicas entre entidades fictícias, sua exaltação, no início do século XX, foi a de um leitor universal para estas relações: a máquina diferencial ou sua aparição posterior, o computador. A distinção entre Hardware e Software, criado por Turing (1) no início do século XX, foi um golpe emblemático da modernidade na criação de uma máquina que pudesse emular outras máquinas, desde que esta fosse alimentada com o projeto sistêmico de outra, com um texto apropriado - o software - tornando-se também um leitor universal." "A atual crise no setor de telecomunicações, que encontra na neutralidade da Rede seu exemplo paradigmático, pode ser entendida como um desdobramento de um processo mais amplo: a transição da sociedade disciplinar para a sociedade de controle, que implica em uma transição de mecanismos de poder na sociedade contemporânea, e não somente uma mudança tecnológica."
Copyright (c) Coletivo Saravá: desde que não mencionado em contrário, este conteúdo é distribuído de acordo com a Licença de Manipulação de Informações do Coletivo Saravá.