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Os usos políticos da tecnologia, o biopoder e a sociedade de controle: considerações preliminares
Trechos de Os usos políticos da tecnologia, o biopoder e a sociedade de controle: considerações preliminares:
"Entretanto, em um livro lançado pela Harvard University Press, que ganha rápida notoriedade, Michael Hardt e Antonio Negri (2000/2001) retomam a noção foucaultiana de biopoder em um contexto totalmente diferente. Eles a complementam com a idéia de sociedade de controle (Deleuze, 1992) e afirmam que biopoder e sociedade de controle são os substratos da nova ordem mundial que eles denominam Império." "Para Manuel Castells (1999), a terceira revolução tecnológica caracteriza-se pelo fato de que, pela primeira vez, há uma assumpção da mente humana como força direta de produção, não se limitando a um simples elemento no sistema produtivo. Isso ocorre em um contexto de unificação do conhecimento aplicado e da informação necessária à geração de novos conhecimentos em um ciclo retroalimentador que torna muito mais rápida a difusão de novas tecnologias, que são reapropriadas e redefinidas pelos usuários. Félix Guattari afirma que esse processo de produção-difusão-apropriação e recriação da informação leva a um movimento duplo e simultâneo, colocando as possibilidades de uma 'homogeneização universalizante e reducionista da subjetividade e uma tendência heterogenética, quer dizer, um reforço da heterogeneidade e da singularização de seus componentes', o que abre duas alternativas históricas: 'a criação, a invenção de novos Universos de referência' ou a 'mass-midialização embrutecedora, à qual são condenados hoje em dia milhares de indivíduos' (Guattari, 1992, p. 15-16). O efeito do desenvolvimento de tais tecnologias é a (re)produção de subjetividades, pelas novas necessidades, relações sociais, corpos e mentes que constroem, em um movimento que vem sendo denominado de pós-humanização. Mesmo se não produzidas pelo grande capital, tais tecnologias de informação são, de pronto, incorporadas por este, já que 'o circuito econômico é um sistema informacional' e esses sistemas ¿constituem redes construídas em torno de centros hierarquizados. Entre si, são postas em relação pelos dispositivos de interface¿ (Claval, 1993, p. 171-174 passim). A sociedade em rede possibilita uma passagem de comandos muito mais ágil dos comandos se comparada com os suportes rígidos e fixos dos sistemas de comunicação/transporte anteriores. Tais suportes são, igualmente, canais de veiculação do biopoder/controle social." "Os meios para adquirir e controlar consumidores são múltiplos. Laymert Santos (2000), analisando o emprego e a difusão dos dados individuais, demonstra que a integração de bancos de dados permite a leitura de individualidades, com o estabelecimento de perfis que antecipam desejos e necessidades." "Lyon (1994), embasado em Visions of social control, de Stanley Cohen, afirma que a perda de privacidade e a sociedade transparente são instrumentos de controle da classe média, já que para a underclass, que constitui 85% da população mundial, ainda vigem a exclusão e a vigilância punitiva. Zygmunt Bauman (2001), igualmente, identifica, na sociedade hodierna, uma dualidade entre o seduzido (pelo mercado) e o reprimido e assevera que o consumismo da classe média contribui, decisivamente, à manutenção da ordem social." "Tais mudanças afetam, de maneira profunda, as subjetividades. Todas as necessidades, todos os desejos humanos transmutam-se em mercadorias. E as mercadorias, em função da rapidez dos fluxos comunicacionais, têm um ciclo de vida, mais e mais curto. O real se constrói e é destruído velozmente, de sorte que tudo com o que nos tínhamos familiarizado, torna-se, para nós, estranho." "Esta ruptura do continuum da sociedade de controle leva-nos a questionar a magnitude de seu projeto biopolítico. Como nos mostra Chauprade (2001, p. 697), ¿cada vez que uma revolução técnica chega, os homens pensam que ela significará o fim da história e a erradicação das lógicas do passado¿. Estamos, todavia, condenados ao eterno retorno, a observar a coexistência da mais alta tecnologia biopolítica com a máxima disciplinarização do corpo." "A biopolítica cria novas armas que podem eclodir as diferenças. Os usos das novas tecnologias são, ainda, objeto de disputa no que tange à arquitetura mundial das redes e à sua regulação. Dependendo do uso dos poderes e contrapoderes, as tecnologias da informação podem, por um fato, corroborar para a manutenção do status quo, produzindo as subjetividades que lhe são adequadas, ou podem, se incorporadas de maneira crítica e criativa, abrir espaços para o novo, o extramuros do controle."
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